A geração conhecida como os Boomers vem culpando a “moleza” dos Millennials por diversos problemas que alguns mercados vem enfrentando. Por exemplo, os Millennials seriam os responsáveis por “quebrar” a indústria automobilística por “se recusarem” a comprar automóveis, o mercado imobiliário por “se recusarem” a comprar imóveis e a indústria de diamantes por “se recusarem” a comprar alianças de noivado com diamantes. Mas, em 2020, a Geração Z também resolveu começar a criticar abertamente esses Millennials, mas por motivos totalmente diferentes: ao invés de culpá-los por problemas que estão além de suas capacidades individuais, essa nova leva de críticas é voltada diretamente para a personalidade e comportamento dessas pessoas.
Uma questão de geração
Para entendermos exatamente o que está acontecendo nessa história toda, é preciso entender o que exatamente cada um desses termos — dessas gerações — quer dizer. Todos os grupos citados aqui (Boomer, Millennials e Geração Z) são nomenclaturas dadas a diferentes gerações de pessoas. O objetivo disso é juntar diversos indivíduos com suas particularidades próprias em grandes grupos homogêneos a partir de algumas características sociais que são comuns para todas as pessoas desses grupos. O primeiro desses grupos é o dos Baby Boomers (ou apenas Boomers), que é uma designação dada para pessoas que nasceram entre o pós-Segunda Guerra Mundial e a primeira metade da década de 1960. São pessoas que atualmente possuem entre 75 e 55 anos de idade, e que presenciaram pessoalmente todas as tensões do período da Guerra Fria, e o medo criado neste período ainda é uma influência forte em todas as suas posições políticas. O segundo é a Geração X, que engloba os nascidos na metade da década de 60 até o final da década de 70. Essa geração possui características dos Baby Boomers, como busca pela estabilidade na carreira, mas também valorizam a liberdade e a competitividade. O terceiro destes grupos são os Millennials (ou Geração Y), que abrange as pessoas que nasceram entre o início da década de 1980 e a segunda metade da década de 1990. São pessoas que atualmente possuem entre 40 e 20 anos, sendo considerada uma geração de “transição”, que nasceu em um mundo ainda analógico mas que viveu todas as mudanças que ocorreram no mundo para o atual panorama digital onde tudo está conectado através da internet. Já o quarto grupo desta história é a chamada Geração Z (ou apenas Gen Z), que diz respeito a pessoas que nasceram entre o final da década de 1990 e o início da década de 2010, sendo assim a geração mais recente estudada pelos sociólogos. São pessoas que atualmente possuem entre 25 e 10 anos, consideradas como os “nativos digitais”, pois foram criadas em um mundo em que a internet já era uma realidade. Historicamente, as gerações mais velhas sempre reclamam dos “jovens” da geração que a segue diretamente – tanto que muitas das críticas que os Boomers e Geração X tecem aos Millennials eles mesmos ouviram da chamada “Geração Grandiosa”, formada por pessoas que nasceram durante o período da Grande Depressão e que lutaram na Segunda Guerra Mundial. O interessante é que, antes dos Millennials começarem a tecer as mesmas críticas sobre a Geração Z, são justamente esses que iniciaram o “combate geracional” com a contraparte mais velha — e os adolescentes não estão economizando nas críticas.
Gen Z vs Millennials
Não poderia ser diferente, mas a “briga” entre as duas gerações conhecidas por passarem o tempo todo no celular começou dentro de um app. As reclamações se iniciaram na forma de memes que eram compartilhados através do TikTok, e logo começaram a ganhar contornos críticos mais sérios. Uma das principais reclamações que a Geração Z tem sobre os Millennials é por conta da falta de confiança às vezes excessiva deles. Isto é demonstrado no quanto eles se preocupam com a imagem de si mesmo que colocam nas redes sociais, sempre tentando mostrar tudo ao redor deles como algo perfeito e organizado, se esforçando para passar uma imagem de perfeição que não condiz com a realidade de ninguém. Esse tipo de problema também pode ser visto, segundo os adolescentes da Geração Z, com o quanto a geração dos Millennials dá importância para atividades banais, como o cultivo de plantas. Segundo eles, esses jovens adultos muitas vezes se parecem com verdadeiras crianças ao ver o quanto eles se sentem maravilhados e orgulhosos por terem sucesso em algo simples como plantar um pezinho de tomate dentro de casa, ficando realmente intrigados por terem tido sucesso em uma atividade que exige apenas garantir que a planta fique tempo suficiente no sol e seja regada em um intervalo suficiente para não morrer de sede. Essa característica de parecer uma criança em determinados momentos pode ser vista também na não-superação de muitos da “fase Harry Potter”, e muitos adultos ainda consideram que ser fã do bruxinho não é apenas um gosto pessoal, mas um verdadeiro traço de personalidade. Há um grande incômodo entre os Geração Z com o fato de muitas vezes o mundo estar pegando fogo, mas o que realmente interessa ao Millennial é proteger a “casa” deles em Harry Potter com unhas e dentes. Algo que também incomoda muito esses jovens é a fixação que os Millennials possuem por um emprego “estável”. Enquanto a Geração Z já está preparada para um mercado de trabalho onde tudo é cada vez mais flexibilizado, eles veem com maus-olhos a obsessão dos Millennials por um emprego “clássico” que te faz trabalhar 8h por dia, sete dias por semana, para conseguir um pagamento fixo todo final de mês. Essa obsessão pela estabilidade é vista pelos mais jovens como uma negação das novas condições do mercado de trabalho, e uma tentativa de suprir uma expectativa do que é trabalho que foi criada pelos Boomers. Isto também pode ser visto na importância que as gerações dão para a questão da habitação: enquanto os Millennials parecem surtar com a possibilidade de que nunca terão condições financeiras de adquirir uma casa própria, os membros da Geração Z se sentem confortáveis em se imaginar morando de aluguel o resto das vidas. A Geração Z também lembra que algumas das coisas mais criticadas como “fúteis” na internet — como as selfies e os perfis de redes sociais de “influenciadores”, voltados para mostrar uma vida pessoal perfeita e sem erros — são criações dos Millennials, e que mostrariam uma característica destes de se concentrar apenas em seus próprios umbigos e não conseguir se preocupar com coisas que acontecem fora de seus círculos pessoais.
Diferenças geracionais
A grande maioria das críticas feitas pela Geração Z parte não apenas de um ponto pessoal mas sim social — isto porque, ao contrário dos Millennials, esta tem se mostrado muito mais ativa politicamente. Mesmo ainda adolescentes em sua maioria, a Geração Z já é mais politicamente ativa do que a geração que os antecedeu, e recentemente tem colecionado diversas vitórias no uso de plataformas virtuais como ativismo político. Uma dessas vitórias foi, durante os protestos do movimento Black Lives Matter (BLM) nos Estados Unidos, essa geração ter sido diretamente responsável por acabar com esforços da polícia em criminalizar o movimento. Desde que os protestos se iniciaram, as polícias de diversas cidades começaram a oferecer apps de denúncia, em que “cidadãos de bem” poderiam postar vídeos identificando pessoas nos protestos para que a polícia pudesse ir atrás delas e prendê-las. Essa tentativa de repressão virtual foi rapidamente desmoralizada pela Geração Z, que se organizou virtualmente para atacar esses sistemas de denúncia e transbordou esses sites e aplicativos com vídeos de grupos de Kpop (um gênero musical nascido na Coreia do Sul e que tem se tornado muito popular entre jovens no mundo todo), o que obrigou a polícia a desativar essas plataformas para denúncias anônimas de protestantes. Outra vitória muito recente da mobilização Geração Z aconteceu no último sábado (20), quando eles conseguiram desmoralizar o primeiro comício em meses do presidente Donald Trump. Ignorando a pandemia de COVID-19, Trump marcou um comício na cidade de Tulsa, e abriu uma plataforma para que qualquer pessoa interessada a ficar com outras milhares dentro de um estádio ouvindo o presidente falar por mais de uma hora — e sem a obrigatoriedade do uso de máscara — pudesse marcar o interesse para que a equipe de Trump pudesse acomodar a todos. Novamente, entra em ação a Geração Z, que se organizou online para protestar essa decisão do presidente Trump de lotar um estádio de pessoas sem máscara em meio a uma pandemia, e começaram a marcar em peso que tinham interesse em comparecer ao evento. Isto fez com que a organização do comício vendesse o evento como “o maior já visto”, e preparado toda uma estrutura na parte de fora do estádio para acomodar as mais de um milhão de pessoas que mostraram interesse nele. Mas tudo não passou de um golpe de adolescentes com um computador, e no fim o evento contou com pouco mais de 6000 pessoas, deixando todos os envolvidos extremamente decepcionados com o que, perto das expectativas geradas, foi um enorme fracasso. E é justamente nesse tipo de atitude que a Geração Z se sente no direito de criticar abertamente os Millennials, pois ainda que ambas as gerações compartilhem a mesma percepção de quais são os principais problemas sociais enfrentados por eles, não parece haver nos últimos uma capacidade real de lutar para corrigir problemas que não estão em uma escala individual, mas política e social, e estes se contentam apenas em reclamar sem fazer muito esforço para mudar a situação. Mas mesmo essas críticas surgem com uma certa consciência do peso delas, e não é como se a Geração Z fosse totalmente alheia ao ambiente hostil que os Millennials cresceram. Membros dessa geração sabem que, nos últimos quinze anos, estes tem sido constantemente chamados de uma geração de preguiçosos, narcisistas e sensíveis ao extremo — e uma culpabilização que não vem apenas de modo pessoal, como críticas de membros da família, mas que fazem parte de todo um panorama midiático e cultural — e, com esse tipo de mensagem os atingindo constantemente, é possível que os Millennials tenham internalizado muitos desses aspectos. E essa crítica dos Boomers pode ser diretamente responsável por muitos problemas da geração Millennial. Afinal, estes são pessoas que cresceram com a “receita” para o sucesso: tudo o que você deve fazer é se esforçar nos estudos e no trabalho que será recompensado por isso — algo que deu certo para os Boomers, que cresceram em uma época de crescimento econômico acelerado onde qualquer formação mais especializada garantia uma boa segurança financeira que permitia fazer planos para um futuro distante, como comprar uma casa ou criar uma poupança para se aposentar. Mas a economia na qual os Boomers cresceram não é a mesma que os Millennials encontraram, onde até mesmo empregos de formação universitária não pagam muito mais do que o suficiente para que essas pessoas mantenham um teto sobre suas cabeças e as contas da casa em dia, muitas vezes não sobrando absolutamente nada para investimentos futuros — e em empregos que podem simplesmente deixar de existir de uma hora para outra. Ao mesmo tempo, a geração mais velha, ao invés de tentar entender as mudanças sociais e econômicas que impediam seus filhos de serem tão bem sucedidos quanto eles foram, achou mais fácil culpar os novos problemas enfrentados como resultado de uma suposta “falta de esforço” dos Millennials — e ignorando todas as pesquisas que mostram que mais de 70% dos Millenials trabalham mais de 40h por semana, e cerca de 25% deles trabalham mais de 50h semanais.
Recorte racial
Ao mesmo tempo que falamos desta questão geracional como se fosse algo comum a todas as pessoas da mesma idade, a questão racial é mais uma camada que permeia toda a discussão do embate de gerações. Isto porque, de acordo com alguns adolescentes que fazem parte da Geração Z, essa diferença geracional entre a atual geração de adolescentes, os Millennials e os Boomers só é possível de ser notada com exatidão quando o olhar é voltado para as pessoas brancas, enquanto não há uma divisão tão intensa nas concepções de sociedade entre as diferentes faixas etárias da população negra. E isso é algo que faz sentido. Afinal, muitos dos considerados “problemas geracionais” tem a ver não apenas como cada geração enxerga o mundo, mas também como o mundo enxerga essas pessoas. E, em muitos aspectos, diversos problemas que a população negra enfrenta em 2020 são os mesmos que seus antepassados têm enfrentado desde a abolição da escravidão. Isto ocorre porque a população negra ainda é vista por muitos como uma classe inferior — concepção errônea, que está na raiz do racismo. E este racismo não se dá apenas nas relações entre os indivíduos, mas é algo estrutural, e contribui para que, historicamente, os negros sempre tenham tido acesso mais dificultado à educação, à conseguir linhas de crédito para abertura de negócios ou mesmo para obter residência. Isto podia ser visto até mesmo em leis federais dos Estados Unidos no século XX, que criavam programas de auxílio social para que as pessoas adquirissem suas casas próprias, mas deixava estipulado que a população negra tinha acesso proibido ao programa.
A raiz do conflito
Mesmo com todas essas explicações uma pergunta ainda fica no ar: porque a Geração Z começou também a atacar os Millennials de uma hora pra outra? Ninguém sabe exatamente a resposta, mas é possível que, assim como nas críticas mais antigas aos Millennials, os Boomers também tenham sua parcela de culpa nisso. Já há algum tempo, a palavra “Millennial” deixou de significar que estamos falando de pessoas jovens — como explicamos, essa é uma geração que tem entre 25 e 40 anos, ou seja, é justamente o núcleo principal da idade que consideramos como adultos e que deveriam estar atualmente dominando o mercado de trabalho. Mas, devido aos avanços da ciência, ainda há uma enorme quantidade de Boomers trabalhando sem qualquer impedimento ou perspectiva de aposentar — e, como estes possuem muito mais experiência em qualquer área de atuação, muitas vezes são eles que ocupam as posições de liderança, principalmente em mercados que trabalham diretamente com o discurso social, como publicidade, mídia e política. Assim, mesmo que os Millennials já façam parte da população adulta, o discurso público continua usando a palavra para descrever todas as posições que a população mais velha não concorda, utilizando-a como um argumento do tipo “esses jovens um dia ainda vão crescer e descobrir o mundo real e ver que eu estou certo”. Por isso, um possível motivo por trás das recentes críticas da Geração Z pode ser uma necessidade que ela sente de se “separar” do errôneo rótulo de Millennial, já que ela é uma geração com características muito diferentes das de seus antecessores. E quando essa briga geracional vai chegar ao fim? Possivelmente quando a Geração Alpha (o nome como está sendo chamado a nova geração de pessoas, que nasceram a partir da década de 2010) tiver idade suficiente para criar discussões na internet e começar a chamar todos os personagens desta matéria — Boomers, Geração Y, Millennials e Geração Z — de velhos gagás que já passaram do prazo de validade e não estão preparados para mudanças no mundo. No fim, a disputa entre gerações é algo praticamente inevitável, e que deverá continuar acontecendo a cada quinze ou vinte anos, quando uma nova geração começa a sair da adolescência e chegar na fase adulta, e exige que a sua voz seja ouvida. E, no caso atual, a Geração Z é uma que parece disposta a fazer de tudo para que as pessoas escutem o que elas têm a dizer—- mesmo mudar todo o funcionamento do mundo caso isso seja necessário. Fonte: Vice, Dynamic Signal, New York Times, Pod Save America, The Guardian, Wikipedia (1), (2), (3)